Entrevista com Miguel Gontijo na Revista Rio Sport





Entrevista na revista Rio Sport 
ANO.05.#16.AGO.NOV.11- pgs 52 a 55


Por Bianca Casadei :: Fotos Acervo :: Design Clara Gontijo
Fácil contar que ele é de Santo Antônio do Monte, que aos 16 anos mudou-se para a capital mineira, que tem 62 anos, é casado e pai de duas filhas. Difícil é descrever o talento e a arte de Miguel Gontijo. Arte que não passou em branco para o artista belga Michael Borremann, em entrevista televisionada nos canais de cultura da Europa. Nem tampouco para o Palácio das Artes, que foi palco para o lançamento do livro “Pintura Contaminada” e para a exposição homônima. Muito menos para a Associação Brasileira de Críticos de Arte, que em 2011 concedeu a ele o Prêmio Mario Pedrosa, como o artista brasileiro que se destacou por suas realizações e contemporaneidade da linguagem. 
Contemporânea, divertida, nostálgica, orgânica, sofisticada. Poderia dar características de A a Z à impressionante arte de Miguel Gontijo. Mas o bom mesmo foi descobrir, por meio do próprio artista, como foi a construção dessa carreira de sucesso. Confira na entrevista e surpreenda-se. 
Como foi seu primeiro contato com a arte? 
Por acaso. Tomei bomba no vestibular de Medicina e iria passar um ano sem estudo. Nessa época, eu estudava música no Conservatório Mineiro e vi em frente ao Palácio das Artes uma faixa: “Curso Livre de Arte”, da Escola Guignard. Matriculei-me, imaginando que iria aprender História da Arte, porém o curso tinha todas as matérias, menos História da Arte. Quando fui informado, tentei desistir, mas a professora Odila Fontes forçou a barra, fazendo-me desenhar. Fiquei nesse curso por três meses. Nesse momento, ocorria o salão de arte “Olimpíadas do Exército” e a Odila levou meus desenhos para o concurso. Acabei ganhando um prêmio de aquisição. A partir daí, descobri que o desenho é uma linguagem e procurei entender aquilo que “nasci sabendo”,  mas que não tinha função nenhuma em minha vida. Abandonei o curso livre da Guignard e fui estudar por conta própria. 
E nesse processo de estudo, algum artista exerceu influência na sua mudança de vocação? 
Quando me vi desenhando, meu trabalho tinha grande semelhança com o de Bosch. Mas eu nem sabia quem era ele. Esse nome, para mim, não passava de uma marca de peças automotivas. (Até hoje, eu ainda não consegui saber como isso ocorre dentro da gente: saber sem conhecer). Quando conheci a obra do artista tentei, conscientemente, entrar dentro desse universo. Fiquei obsessivo em perseguir seus rastros. Um ano depois, descobri que deveria “matá-lo” dentro de mim. E assim continuo até hoje, às vezes achando que consegui eliminá-lo, outras vezes ainda sendo perseguido por ele. 
Você aprendeu a ler sozinho, ainda bem novo. Isso também aconteceu com as artes plásticas? 
Não sei como aconteceu esse processo de leitura em minha vida, assim como não sei quando “aprendi” a desenhar. Hoje, as crianças aos seis anos sabem ler, mas no meu tempo aprendíamos a ler aos sete, ao entrarmos no grupo escolar. Minha mãe era professora e nem ela percebeu que eu lia sem que ninguém houvesse me ensinado. Ela achava que eu decorava as histórias em quadrinhos, acreditando que eu tinha uma ótima memória. Porém, saber ler cedo não me trouxe nenhuma regalia quando entrei para a escola. Lia tudo, mas não sabia somar dois mais dois. Lia igual gente grande e escrevia muito mal. No segundo ano, eu era um péssimo aluno e um grande leitor. Minha mãe fez com que eu repetisse esse ano letivo e, desesperada, tentou achar uma solução para minha apatia. Então, ela me colocou na aula de música. Aí, fui alfabetizado por meio das pautas musicais. Com as divisões dos compassos e o valor das notas, comecei a aprender aritmética. 
Você tem algum ritual para criar ou a inspiração acontece de repente? 
Não tenho ritual nenhum, nem tão pouco inspiração e nem acontece de repente. É trabalho mesmo. Trabalho obsessivo, árduo. Sem nenhum romantismo. 
Mas não acontece de você deparar com uma imagem ou situação que o provoque e que acaba sendo a inspiração para uma obra? 
Tudo está sempre à minha disposição, o tempo todo. Até o que não me inspira serve de pretexto para uma descoberta. 
Tem preferência de horário para trabalhar? 
Sou mais útil pela manhã. Tudo é mais fácil nesse período. À noite, torno-me uma “toupeira”.  Sirvo apenas para fazer amenidades. 
O livro “Pintura Contaminada”, lançado em 2010, em exposição de mesmo nome no Palácio das Artes, apresenta nada menos que 500 obras. Como surgiu a construção desse projeto? 
A partir de um casual encontro com Robson Soares, Ângelo Issa e Manfred Layerer, toda minha carreira “ressignificou”. Em princípio, foi um convite para uma exposição no Centro Cultural, que estava sendo inaugurado. Uma exposição que causou incômodo a alguns funcionários, gerou polêmicas, e eu imaginei que nosso encontro ficasse por aí. Quase que sequencialmente Manfred e Ângelo convidaram-me a editar um livro. Esse livro aconteceu no ano seguinte, por pura garra e determinação da dupla Manfred \ Ângelo. Isso porque eu sou uma pessoa de caráter tímido e reservado, e evitava me expor através de pedidos e exigências, o que é muito comum a artistas. Mas eles reconheceram rapidamente essa minha falta de determinação e criaram um cerco de trabalho, no qual tudo conspirou a favor do projeto. Com o lançamento do livro pude, pela primeira vez, deparar com o conjunto de minha obra. Isso porque vamos produzindo nosso trabalho, ele vai sendo vendido, se dissolvendo em outros universos e a gente fica sem uma dimensão de sua consistência. O livro me propiciou isso. Ter uma visão em retrospectiva e me fazer traçar metas para o futuro. É um belo livro. Digno de ser apresentado a qualquer parte do mundo e dar orgulho a qualquer artista. Tem um projeto gráfico arrojado, fazendo-o figurar entre os mais belos do país. Tenho muito a agradecer à designer gráfica Clara Gontijo (minha filha) e a V&M, nas queridas figuras de Robson Soares, Ângelo Issa e Manfred Layerer. A exposição do Palácio das Artes foi feita sob a curadoria de Robson Soares. Ele pegou essa “empreitada” e deu a ela a dignidade de um trabalho bem feito. A partir do livro e dessa exposição, posso afirmar que minha carreira se dividiu em antes e depois da V&M. 
Este ano você recebeu, em São Paulo, o Prêmio Mario Pedrosa, pela ABCA, como reconhecimento pela contemporaneidade e linguagem de suas obras, com uma votação significativa. Como foi receber um prêmio dessa grandeza? 
A ABCA é uma instituição criada em 1949 e formada por expressivos intelectuais. É através desses críticos que o artista ganha o apoio, o reconhecimento e a divulgação do seu trabalho. O reconhecimento é sempre um prêmio em si. Ser diferenciado num contexto vasto como o do nosso país faz qualquer um sentir-se orgulhoso. Eu não sei o que pode acontecer no futuro com a conquista desse prêmio, mas eu sei que nesses meus 45 anos envolvidos com as artes plásticas, minha luta não foi em vão. E isso basta para que eu continue no meu trajeto. Vários fatores são relevantes para a conquista desse prêmio. Dentre eles, destaco a indicação do meu nome à ABCA pelo crítico Carlos Perktold e o apoio que recebi de alguns membros dessa entidade. Outro fator é minha persistência em me manter lentamente, mas constantemente, atuando nessa área. Tem também o lançamento do livro “Pintura Contaminada”, pela V&M, que disseminou meu trabalho por todo o país e também fora dele. E um outro fator foi um documentário feito pela TV Belga, que ajudou muito a fortalecer a imagem do meu trabalho.
Como é para um pai, que naturalmente considera os rabiscos dos filhos verdadeiras obras de arte, receber os trabalhinhos da escola? Dá para separar o lado pai do lado artista? 
Claro. Muito me emocionei com os rabiscos das filhas. Guardo-os todos até hoje. Como arte é emoção, gosto mais dos desenhos delas que dos meus próprios trabalhos. E também prefiro o meu lado pai ao meu lado artista. 



Comentários

Bianca Casadei disse…
adorei!
obrigada pela entrevista!
abraço e suce$$o!

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