Imprensa - Revista Perfil
Por Fernando Pedro
Qui, 09 de Junho de 2011 22:04
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Miguel Gontijo:
Arte e História
Historiador e filósofo, Miguel Gontijo realiza a construção da história através de sua linguagem artística – desenhos, pinturas, assemblages e livros de artista. Utilizando-se desses meios, traz para a sua obra críticas e informações sobre a História da Arte e do mundo da literatura, universo sobre o qual o artista se sente mais à vontade. E se expressa através da pintura e do desenho para realizar uma linguagem própria e contemporânea, carregada de críticas, poesia, humor e muita sensibilidade. Com uma obra própria e coerente, construída ao longo de mais de quarenta anos de atividade, revela-se um artista que recria permanentemente o cotidiano por meio de sua pintura, uma forma de se registrar para a história, uma construção permanente de uma arqueologia do futuro. Tudo é detalhadamente anotado em seus diários, que resultaram em seus livros de artista, obras para não serem lidas, uma superexposição de seu processo e dedicação cotidiana ao fazer a transformação da palavra em imagem.
Recebeu o Prêmio Mário Pedrosa 2011, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, honraria concedida ao artista brasileiro que se destacou por suas realizações e contemporaneidade da linguagem. Esse prêmio é o coroamento de uma trajetória que se iniciou na década de 1960. Natural de Santo Antônio do Monte, muda-se para Belo Horizonte aos 15 anos de idade. Inicia seus estudos na Escola Guignard com a professora Odila Fontes, em 1968, quando descobre sua aptidão para o desenho e pintura. Nesses anos e ao longo de toda a década de 1970, participa de exposições coletivas e individuais, coleciona premiações no Salão Nacional de Arte, Salão Global, exposições em museus e premiações em todo o Brasil, como Goiânia, São Paulo, Recife, Rio de Janeiro e Curitiba, entre outros.
Nos anos 1970 e início de 1980, momento de grande movimentação cultural em Minas Gerais, Miguel Gontijo conviveu com o circuito artístico local, dividindo questões da arte com Marcos Benjamim, Arlindo Daibert, Sandra Bianch, Manoel Serpa e Marco Tulio Resende, entre outros. Desde o início de sua carreira já apresentava um desenho refinado e sofisticado, rico em detalhes.
Privilegiava a aquarela, tendo realizado centenas delas, técnica que abandonou em 1992, quando passou a trabalhar de forma alternada entre a pintura a óleo e os livros de artista.
A partir desse momento começa a viver exclusivamente da arte, deixando o seu emprego na área de informática. Autor de uma pintura sofisticada, seu trabalho passa a ganhar uma dimensão internacional a partir de então, com circulação na Bélgica, França e Alemanha, processo potencializado a partir do ano 2000.
Uma entrevista concedida ao artista belga Michael Borremann e exibida nos canais culturais da TV europeia garantiu ampla visibilidade ao artista. Recentemente, em 2009, mereceu mostra individual no Palácio das Artes e lançamento de um livro primoroso sobre a sua trajetória e o registro de mais de 500 obras, com um projeto gráfico sofisticado, patrocinado pela Vallourec & Mannesmann Tubes por meio da Lei Rouanet do Ministério da Cultura.
O próprio Miguel Gontijo nos fala de seu processo de criação, levando-nos ao seu universo inventivo e ao conhecimento de seu mundo artístico: “Me proponho a criar documentos. Lançar garrafas ao mar. Registro tudo para assim me registrar. Pinto como se fosse um serviçal. Torno-me escrivão toda vez que me proponho a criar. Associo coisas simples tentando balbuciar novos símbolos.
Talvez o figurativismo que uso seja uma arma para facilitar o entendimento de meus hieróglifos. Minha pintura funciona como um diário. Um grito de náufrago, um registro de bordo que carrego enquanto viajo, aqui, pela vida. São anotações, documentos de toda ordem e espécie. Aproprio-me de um fato, fragmento-o e reestruturo-o, onde o absurdo torna-se cotidiano.
Meu encontro com a contemporaneidade está no Realismo Mágico, movimento pós-moderno, de grande força na cultura latino-americana, diferente do Surrealismo e do Hiper-realismo, pois seu disfarce é a própria realidade. Invento inertes videoclips. Minha pintura é um imenso e fragmentado muro babilônico.”
É um artista que se entusiasma com o processo, com o trabalho diário navegando entre o desenho, a pintura e o livro de artista. Merece destaque a produção de seus livros, nos quais apaga a escrita para escrever sua história através das imagens. Gosta da artesania compulsiva, quando transforma volumes da Enciclopédia Britânica em títulos únicos, documentos para a sua arqueologia do futuro. Os títulos são tão intrigantes e fantásticos como as imagens presentes em cada volume, por exemplo, Do Sudário ao Ossário, Mapa Astral, Livro das Ausências, A Galáxia de Gutenberg, para citar apenas alguns.
Imagens fortes surgem a partir das imagens do livro, imagens criadas, da costura, da escrita com ponto e linha, da ausência da palavra, da interferência com o fogo e do recorte com bisturi.
Como resultado, apresenta obras orgânicas que continuam a mudar com o tempo e nos remetem ao fazer medieval, aos escritos antigos, às iluminuras. Cria ícones a serem decifrados ou simplesmente contemplados, substitui a informação textual pela construção da imagem que fala por si e alicerça a arte e a história de Miguel Gontijo.
Fernando Pedro
Historiador da Arte, Mestre pela EBA/UFMG
Presidente da Editora C/Arte e do
Instituto Arte das Américas
fernandopedro@comarte.com
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