Reportagem - Estado de Minas
Miguel Gontijo abre exposição e lança o livro Pintura contaminada
Artista recusa rótulo de surrealista e usa referências eruditas e pop para falar do real
Cena de um casamento, acrílica sobre madeira, 1999
“Arte é busca eterna que não chega a lugar nenhum. Ao longo do tempo, o que você consegue é desenvolver linguagem pessoal para apresentar de forma mais clara as suas ideias”, afirma o mineiro Miguel Gontijo, de 61 anos, no momento que abre exposição e lança o livro Pintura contaminada. A mostra traz aquarelas e pinturas, com curadoria de Robson Soares; o livro é apanhado de mais de quatro décadas de atividades. Em ambos está visualidade construída com imagens das mais diversas procedências, de fotos de jornal a ícones da história da arte, passando por caligrafias, criando diálogos entre elementos díspares. Não é retrospectiva, avisa Miguel Gontijo.
A exposição na Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes traz cerca de 80 obras, dos anos 1980 até hoje. Técnicas diferentes, mas voltadas a apresentar um mesmo universo: “Sou atraído pelo grotesco”, afirma o artista, contando que é enfoque que traz humor para o pensamento e a percepção das obras. “Gostam de colocar o que faço como surrealismo. Não é. Estou falando do real”, acrescenta. Miguel Gontijo observa que são obras que aludem, entre outros motivos, à vivência em mundo saturado de imagens. Trata-se de visualidade barroca, “quadrinhos sem o enquadramento das HQ”, deslocamento de signos de seu contexto. Por isso, e pela importância do desenho em sua linguagem, considera que é trabalho próximo do gráfico.
As obras, explica Gontijo, são criadas a partir de imagens que o emocionam, despreocupadas com beleza, valores estéticos ou conteúdos, ainda que interessadas em diálogos entre os elementos. “É realidade particular, observação minha, interessada quase exclusivamente no visual, que cada observador interpreta como quiser”, observa. As evocações à história da arte, por exemplo, são apenas para provocar a fantasia de quem vê. A aquarela foi linguagem adotada até 1986 e, mais tarde, trocada pela pintura, pela possibilidade de fazer, desfazer e refazer a imagem. “Atrás de cada quadro há vários outros”, conta.
NEUROSE
No livro, para Miguel Gontijo, está o percurso realizado. Dá explicação divertida para o interesse pela arte: “Quem não é prático, na relação com o mundo, fica idealizando coisas”, brinca. “O que impulsionou a minha arte foi a minha neurose, uma compulsão por integração com o mundo”, observa o artista, formado em história e com vários prêmios em salões de arte. Nascido em Santo Antônio do Monte, na adolescência veio para Belo Horizonte sem saber nada de arte ou cultura. As histórias em quadrinhos undergrounds e a pop-art se tornam referências estéticas.
“Gostava dos desenhos grotescos de Robert Crumb, que no fim dos anos 1960 chegavam com força. Era uma quebra com o que conhecia de outros gibis”, recorda Gontijo. “A pop-art desmitificava o que víamos como arte – o barroco, coisas certinhas, bonitinhas – e que, como todo jovem, queríamos destruir. Para nós, que víamos santo como arte, ver uma propaganda de sopa apresentada como algo artístico encantava e assustava. E, com o pop, o mundo ficou colorido”, acrescenta. O artista nem era ligado em política, “mas tínhamos notícia de ouvido do que estava acontecendo no Brasil”. A ditadura significava ameaça de prisão, “mas não impedia a leitura do Manifesto comunista de Marx e Engels e quem viajava trazia mala cheia de novidades”.
A primeira exposição é de 1971, momento em que surgia o Desenho mineiro, movimento que repôs essa linguagem em circulação. “Desenhávamos por paixão, por neura, e ganhávamos prêmios no salão. Mas não era nada pensado, sentíamos como imposição de vida e do destino. Nos anos 1980, aquilo acabou e todos tiveram que mudar o que faziam. A pintura tinha chegado, cresceu e trouxe outro universo que não era o mundo intimista e pensado dos desenhos”, observa. Artistas que Miguel Gontijo admira: Vik Muniz (“é trabalho construído, o que eu também persigo”), a portuguesa Paula Rego, o norte-americano Eric Fishl e a carioca Adriana Varejão, todos “pela pintura por si”, imagens fortes e bem executadas.
Palavra de Miguel
Obra
“Minhas imagens são contaminadas por qualquer coisa. Não é coleta arbitrária. Tirar o tempo das imagens e colocar os elementos em diálogo são princípios do meu trabalho. Minha preocupação é apenas com a imagem, não – como os modernistas – a massa pictórica. É mais obra gráfica do que arte. O deslocamento que Duchamp fez com objetos, faço com imagens.”
Imagem
“Vivemos em universo de imagens e qualquer obra, por mais minimalista que seja, está em contexto rococó. Pego a realidade e transformo sem preocupação com padrões estéticos de beleza. Arte é contravenção. Gosto do grotesco, porque puxa para uma observação com humor. Mas não gosto de dirigir o modo como as pessoas veem o trabalho.”
Arte
“É ação de transformação, algo subjetivo, poético, criando diálogos, que pede que o espectador trabalhe. A ansiedade em busca por alguma coisa. Desde que o homem pintou um bisão numa caverna é assim. E há encantamento neste anseio. Não é papel da arte ser uma ideia pronta, fundamentada, assertiva, quase não mais arte, como quer a produção contemporânea.”
Belo Horizonte
“Tem ainda toda aquela história de Guignard, alunos de Guignard, netos de Guignard. Acho que o excesso de endeusamento atrasa a evolução e arte é evolução. O pensamento sobre arte é pequeno. Faltam colecionadores. Aqui não se compra arte, compram-se modismos. O bom é que a cidade é cordial, uma casa de comadre, todo mundo é amigo e é lugar bom de morar.”
Miguel Gontijo
Exposição de aquarelas e pinturas e lançamento do livro Pintura contaminada. Amanhã, às 20h, para convidados. A partir de sábado para o público. Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h.
A exposição na Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes traz cerca de 80 obras, dos anos 1980 até hoje. Técnicas diferentes, mas voltadas a apresentar um mesmo universo: “Sou atraído pelo grotesco”, afirma o artista, contando que é enfoque que traz humor para o pensamento e a percepção das obras. “Gostam de colocar o que faço como surrealismo. Não é. Estou falando do real”, acrescenta. Miguel Gontijo observa que são obras que aludem, entre outros motivos, à vivência em mundo saturado de imagens. Trata-se de visualidade barroca, “quadrinhos sem o enquadramento das HQ”, deslocamento de signos de seu contexto. Por isso, e pela importância do desenho em sua linguagem, considera que é trabalho próximo do gráfico.
As obras, explica Gontijo, são criadas a partir de imagens que o emocionam, despreocupadas com beleza, valores estéticos ou conteúdos, ainda que interessadas em diálogos entre os elementos. “É realidade particular, observação minha, interessada quase exclusivamente no visual, que cada observador interpreta como quiser”, observa. As evocações à história da arte, por exemplo, são apenas para provocar a fantasia de quem vê. A aquarela foi linguagem adotada até 1986 e, mais tarde, trocada pela pintura, pela possibilidade de fazer, desfazer e refazer a imagem. “Atrás de cada quadro há vários outros”, conta.
NEUROSE
No livro, para Miguel Gontijo, está o percurso realizado. Dá explicação divertida para o interesse pela arte: “Quem não é prático, na relação com o mundo, fica idealizando coisas”, brinca. “O que impulsionou a minha arte foi a minha neurose, uma compulsão por integração com o mundo”, observa o artista, formado em história e com vários prêmios em salões de arte. Nascido em Santo Antônio do Monte, na adolescência veio para Belo Horizonte sem saber nada de arte ou cultura. As histórias em quadrinhos undergrounds e a pop-art se tornam referências estéticas.
"Pego a realidade e a transformo sem preocupação com padrões estéticos de beleza. Arte é contravenção" - Miguel Gontijo, artista |
A primeira exposição é de 1971, momento em que surgia o Desenho mineiro, movimento que repôs essa linguagem em circulação. “Desenhávamos por paixão, por neura, e ganhávamos prêmios no salão. Mas não era nada pensado, sentíamos como imposição de vida e do destino. Nos anos 1980, aquilo acabou e todos tiveram que mudar o que faziam. A pintura tinha chegado, cresceu e trouxe outro universo que não era o mundo intimista e pensado dos desenhos”, observa. Artistas que Miguel Gontijo admira: Vik Muniz (“é trabalho construído, o que eu também persigo”), a portuguesa Paula Rego, o norte-americano Eric Fishl e a carioca Adriana Varejão, todos “pela pintura por si”, imagens fortes e bem executadas.
Palavra de Miguel
Obra
“Minhas imagens são contaminadas por qualquer coisa. Não é coleta arbitrária. Tirar o tempo das imagens e colocar os elementos em diálogo são princípios do meu trabalho. Minha preocupação é apenas com a imagem, não – como os modernistas – a massa pictórica. É mais obra gráfica do que arte. O deslocamento que Duchamp fez com objetos, faço com imagens.”
Imagem
“Vivemos em universo de imagens e qualquer obra, por mais minimalista que seja, está em contexto rococó. Pego a realidade e transformo sem preocupação com padrões estéticos de beleza. Arte é contravenção. Gosto do grotesco, porque puxa para uma observação com humor. Mas não gosto de dirigir o modo como as pessoas veem o trabalho.”
Arte
“É ação de transformação, algo subjetivo, poético, criando diálogos, que pede que o espectador trabalhe. A ansiedade em busca por alguma coisa. Desde que o homem pintou um bisão numa caverna é assim. E há encantamento neste anseio. Não é papel da arte ser uma ideia pronta, fundamentada, assertiva, quase não mais arte, como quer a produção contemporânea.”
Belo Horizonte
“Tem ainda toda aquela história de Guignard, alunos de Guignard, netos de Guignard. Acho que o excesso de endeusamento atrasa a evolução e arte é evolução. O pensamento sobre arte é pequeno. Faltam colecionadores. Aqui não se compra arte, compram-se modismos. O bom é que a cidade é cordial, uma casa de comadre, todo mundo é amigo e é lugar bom de morar.”
Miguel Gontijo
Exposição de aquarelas e pinturas e lançamento do livro Pintura contaminada. Amanhã, às 20h, para convidados. A partir de sábado para o público. Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h.
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